domingo, 10 de outubro de 2010

Mia mia...


Desta vez consegui! Entrei na Líbia.

Isto é um país esquisito... não necessariamente mau, mas estranho.

É engraçado como num aeroporto internacional como o de Tripoli não há indicações em inglês ou francês... Eu só me apercebi que o senhor que carimba os passaportes estava a ralhar comigo quando um senhor líbio que estava à minha frente se virou para mim e, em inglês, me disse que aquela fila era só para nacionais e os estrangeiros tinham de ir para outra ao lado. Claro que logo depois, enquanto me carimbavam o passaporte na fila certa, viram que era português e toca de falar no Benfica e no Cristiano Ronaldo... ou seria no Mourinho? Futebol nunca foi o meu forte...

Nunca vi aeroporto tão manhoso... o local onde se recolhem as bagagens faz lembrar a fábrica do Oskar Shindler tal como é representada no filme do Spielberg. Tanta hora de viagem para chegar a um sítio destes...

Confesso que desde a minha tentativa frustrada de entrar no país fiquei com um ressabiamento de estimação por estas pessoas... manias, vá.

Cheguei às onze e meia da noite e tinha no aeroporto alguém à minha espera – um taxista muito simpático e desenvolto que sabia falar inglês, que me levou ao hotel, entrou comigo e traduziu as coisas para árabe! Se por um lado a recepção calorosa me animou, por outro fiquei desconfiado de que no hotel não falassem inglês. Felizmente enganei-me.

O táxi conduzido por este senhor é um modelo japonês qualquer, com poucos anos, muita quilometragem, sem nunca ter feito uma revisão e sem nunca ter sido limpo... nem por dentro nem por fora – se não fosse um clima tão seco daria para substituir os tapetes por relva. Mas nesta cidade em que 10 em cada 9 carros são táxis, este nem era dos piores. E de facto, depois de me abstrair do barulho de traineira a afundar-se que o demónio do carro fazia ao arrancar e ao travar, e da tremideira que se sentia assim que passava dos 80 km/h, até consegui apreciar a viagem, a conversa simpática do Hakiem – o taxista – a lua muito amarela e o cheiro a pinheiros...



Narazie.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Pois é...



Na Líbia, ter um visto de entrada passado pela embaixada tem tanta validade como levarmos vestidas as nossas cuecas da sorte. O senhor chefe de estado chateia-se com os suíços e toca de fechar as portas aos europeus todos.


A chegada ao aeroporto de Tripoli foi engraçada. Nunca tinha visto uma pista de aterragem onde crescem arbustos, mas eu também ainda sou novo e impressionável. Impressionou-me por exemplo a tecnologia para nos monitorizarem a temperatura corporal à entrada do aeroporto. Sim, como se faz ao gado. Claro que coisas piores acontecem em Londres ou nos EUA, por isso nada de críticas para já.


Saí do avião e tentei seguir as indicações... nada nem em francês, nem em inglês, nem em italiano... Para acertar na porta certa foi preciso que me dissessem "rhabalah rhabalah" e me apontassem a porta que já tinha ficado para trás... E então vislumbrei uma placa com uns textos em inglês e francês, com a imagem do respeitável chefe de estado por cima: "Caro turista ... não se meta nas drogas ... não provoque distúrbios ... e coisas deste género, ilustradas com desenhos de seringas e armas brancas". Tirando este aviso, só vi coisas escritas em inglês para dizer que era proibido fumar ou que era a minha última oportunidade para comprar artigos livres de impostos. Posso estar a ser injusto… na verdade só conheci uma antecâmara e uma sala de embarque do aeroporto. Aposto que após a revista dos passaportes as salas eram limpas, arejadas e com indicações turísticas em, pelo menos, 10 línguas!


Onde é que eu ia? Ah! Na porta… Lá a passei. Pus-me na bicha como quem não está a entender o burburinho mas logo um senhor de bigode e fato se aproxima de mim: - "rhabalah rhabalah whér iú fró?; - Portugal!; - rhabalah rhabalah gimme yór pásspór!”. E lá foi o meu passaporte, assim como os vistos, com o senhor… para uma saleta com sofás de couro (coiro, vá) e outros senhores também de bigode e de fatos ou uniforme apontaram-me um banco com uns 5 lugares onde estava um maltês que tinha passado a noite no aeroporto. Os restantes lugares rapidamente ficaram cheios. Eu, um franco português e dois espanhóis.


Lá ficamos sentados. De vez em quando aparecia ora um senhor de uniforme ora um senhor de fato e lá se dava o diálogo da ordem: - "rhabalah rhabalah whér iú fró?; - Portugal!; - rhabalah rhabalah whérs yór pásspór?!” e eu apontava para a saleta, eles articulavam um “Ah!”, iam à vida deles e nós ficávamos ali. Ora sentados, ora de pé… a ver quem mais era barrado e dos que eram barrados, a quem era permitido o embarque imediato para outro aeroporto.


Chegámos a uma conclusão – era africanamente aleatório, ou seja, amigos de coronéis entravam ou eram rapidamente despachados, desconhecidos ficavam.


Entretanto ia tendo contacto com o exterior (sim, pareço um prisioneiro a falar… e fui mesmo prisioneiro – não tinha passaporte, não me deixavam sair dali nem ir buscar a minha bagagem) e iam-me dizendo para me aguentar que estavam a fazer o possível para resolver a situação.


Acho que pelas 7 da tarde desistiram de fazer o possível para eu entrar e deram início ao plano B – a malta líbia que estava à minha espera enviou um mensageiro para me comprar um bilhete para Tunis, para que eu não passasse a noite no aeroporto. Muita correria, bilhete comprado, bagagem recuperada e toca de ir a correr para a porta de embarque, eu, o mensageiro, e o senhor de bigode e gravata com o meu passaporte e visto. Desta parte eu só entendi - "rhabalah rhabalah”; -"rhabalah rhabalah”; -"rhabalah rhabalah”; -"rhabalah rhabalah”; -"rhabalah rhabalah” (diálogo entre mensageiro e homens do aeroporto) e a cara cínica do senhor de bigode e fato a recusar-se entregar-me o passaporte. E depois, os insultos do mensageiro, em 6 línguas - quando se trata de insultar, somos todos poliglotas.


Resultado: fiquei no aeroporto com um bilhete na mão. Confesso que este foi o momento mais difícil, mas pelo menos ninguém me bateu.


Fiquei no aeroporto e passei a noite aí. Ninguém nos explicava coisa nenhuma, e se calhar ainda bem, porque o inglês deles era mauzinho e estar sempre a pedir para repetir podia ser desagradável… Mas eu sabia coisas! Isto porque o roaming da OPTIMUS funcionou, ao contrário do da VODAFONE, e eu comunicava com o exterior! E por isso sabia que nessa tarde, segundo notícia da TSF, o representante líbio em Portugal tinha afirmado que a Líbia não iria criar problemas a portugueses que quisessem entrar. E isso deixava-me reconfortado!


Lá pelas 9 da noite (é preciso dizer que cheguei ao aeroporto à uma e meia da tarde, hora local) trouxeram-nos de comer: umas marmitas com peixe guisado, muito picante, arroz e uma espécie de salada (a comida era boa) água, colas, e colheres de plástico. E ali ficámos a comer da nossa marmita com as colheres de plástico, sentados no canto da sala, nos bancos que nos indicaram no início da tarde, enquanto as pessoas que desembarcavam iam passando…


A meio da noite, fomos pedir para ir para uma sala que sabíamos ter bancos corridos e onde dava para nos esticarmos. E deixaram-nos. E lá dormimos um bocado. E de manhã esgueirámo-nos para o café e tomamos uma coisa quente para pequeno-almoço.


Às 7 da manhã de terça-feira (já estávamos de volta ao nosso banco original) um senhor da companhia com que tinha voado para Tripoli entrega-nos bilhetes de regresso a Madrid, via Tunis. Partimos quase logo e a viagem foi rápida - a dormir o tempo voa...

Em Tunis as pessoas falavam francês, inglês e árabe, havia indicações em várias línguas e o aeroporto era limpo e agradável. Éramos homens livres de ir para onde quiséssemos: tínhamos os passaportes, e devíamos ter as nossas bagagens. Então, como a ligação para Madrid era só na sexta feira seguinte, comprei um bilhete para Lisboa via Charles de Gaulle (E pude fazer isto porque tinha o meu passaporte, não sei se já referi).


Cheguei a Lisboa às 10 da noite de terça. Era o único passageiro em primeira classe que tinha o cabelo seboso, cheirava mal da boca e só estava acordado para comer e beber. Depois de chegar a Lisboa foi só meter-me num autocarro e dormir até casa…


Para completar a história, algures entre Tunis e Tripoli a minha bagagem perdeu-se. Nada de especial: recuperei-a 2 semanas depois, sem uma pega e sem alguns fechos, mas com tudo o que levava dentro.


Apesar de tudo, aprendi alguma coisa: a escova de dentes vai sempre, mas sempre, na bagagem de mão...





Narazie.